Valor Econômico
Inspirado
por Marina Silva, já começa a circular nas redes sociais movimento pelo veto da
presidente Dilma Rousseff ao Código Florestal que ainda está por ser votado.
Dada a concordância governista com a maior parte do
relatório do Senador Jorge Viana (PT-AC), é pouco provável que o movimento seja
bem sucedido.
A iminente derrota ambientalista na próxima semana não pode
ser dissociada da neutralidade de Marina Silva no segundo turno da eleição
presidencial do ano passado.
Não que o apoio de Marina a Dilma ou a José Serra fosse
capaz de evitar o que já parece uma derrota certa do ambientalismo no
Congresso.
O placar da Câmara (410 votos) que referendou o relatório do
agora ministro Aldo Rebelo (PCdoB) já havia deixado claro que é a disposição em
retirar amarras à produção agropecuária que domina os ânimos parlamentares.
Está claro que não foram 20 milhões de votos pintados de
verde que Marina obteve, mas este patrimônio eleitoral a autorizava a negociar
os pontos mais caros ao ambientalismo com maior grau de compromisso dos
candidatos em disputa.
Tivesse anunciado apoio a José Serra, Marina Silva disporia
de laços com a oposição com os quais poderia costurar um discurso alternativo
ao bloco ruralista. Ainda que minoritário no plenário, esse bloco, mesmo
derrotado, não amargaria o isolamento a que a votação do Código está para
submeter os ambientalistas no Congresso.
O apoio de Marina a Dilma Rousseff tampouco asseguraria vitória
aos verdes, mas além de lhes dar melhores condições de negociar a tramitação do
projeto, também faria com que a cobrança que hoje se faz à Dilma por um veto
extrapolasse as redes sociais e envolvesse um maior compromisso partidário.
Poderia ter evitado, por exemplo, que a primeira relatoria
do projeto caísse nas mãos de um Senador Luiz Henrique da Silveira (PMDB-SC)
que governou por oito anos o Estado cujo padrão de ocupação leva a desastres
anuais de grandes proporções no período de chuvas.
A neutralidade do segundo turno ajudou a revestir a imagem
de Marina da aura de quem paira acima dos partidos e daquela raivosa disputa do
segundo turno. Se a decisão beneficiou a imagem da ex-candidata, talvez não se
possa afirmar o mesmo da causa ambiental.
Quanto mais se aprofunda a crise mundial mais cresce o apelo
para que o Brasil mantenha sua economia a salvo da turbulência com atração de
investimentos, fomento à produção e ao consumo.
É, portanto, uma conjuntura desfavorável a que se discuta se
a margem dos rios a ser preservada deve ser de 10, 20 ou 30 metros.
É essa rajada contrária aos ambientalistas que os obriga a
ampliar seu espectro político de atuação, mas o movimento parece dominado pela
ideia de que o Brasil entrou na cadeia de mobilização popular pelas causas
justas que ocupa as praças, de Zucotti a Tahir.
Um desses manifestantes globais estendeu uma faixa no
Congresso na semana passada com o slogan "Jorge Viana trocou Chico Mendes
por Kátia Abreu".
Dercy Teles de Carvalho Cunha é presidente do Sindicato dos
Trabalhadores Rurais de Xapuri, fundado por Chico Mendes. Elegeu-se em 2009
quando a vasilha de 18
litros de castanha chegou a ser vendida a R$ 13 reais e
o quilo de látex não conseguia mercado a preço nenhum.
Os filiados do sindicato trocaram o extrativismo pela
pecuária. Hoje a reserva Chico Mendes, criada para preservar o modo de produção
de seringueiros, castanheiros, quebradeiras de coco, populações ribeirinhas e
todos os povos da floresta defendidos pelo líder morto em 1988, tem 10 mil cabeças
de gado.
Se os manifestantes de Xapuri fossem hoje reunidos numa
praça o recado que se ouviria talvez fosse bem diferente daquele que Marina
gostaria de ouvir. E é possível que também fosse diferente daquele que Chico
Mendes um dia verbalizou. Uma parte deles se manifestou no ano passado quando o
Acre natal da candidata do PV a derrotou.
Dercy somou as multas que o Ibama aplicou a 16 dos seus
produtores e chegou à conta de R$ 1, 4 milhão. Ela diz que o texto beneficia os
grandes produtores e exige demais da agricultura familiar.
Até Kátia Abreu faria mais rodeios para dizer aquilo que
Dercy abre de bate pronto numa conversa por telefone. Reclama que seus filiados
(4 mil e poucos na última conta) não podem mais queimar a roça, a exemplo do
que faziam os primeiros habitantes do país cinco séculos atrás.
Enquanto Marina acha que fizeram-se concessões demais na
anistia aos desmatadores, Dercy reclama que os produtores tenham sido obrigados
a recompor áreas de floresta para ficarem quites com o Ibama. E diz que ninguém
cumpre a determinação de desmatar apenas 20% das propriedades rurais, tal como
é exigido no texto para a região amazônica.
O sindicato de Dercy é um dos 30 signatários da Carta do
Acre, que critica a coalizão política que, liderada pelo PT, governa o Acre há
13 anos. O documento a acusa de ter promovido, em nome de Chico Mendes, um
capitalismo verde que só beneficia madeireiros.
Até os ambientalistas concordam que o texto que vai à voto
na próxima semana no plenário do Senado é melhor para seus interesses do que
aquele que saiu da Câmara. Criou, por exemplo, a obrigatoriedade de um cadastro
para acompanhar se as propriedades cumprem ou não as exigências do código e
restringir o acesso ao crédito daquelas que o infringirem.
Mas o código não é fruto do consenso entre ruralistas e
ambientalistas, como pretende Viana. Em relação à legislação atual, quem ganha
são os ruralistas.
É bem verdade que a lei hoje em vigor não é cumprida e
decretos com anistias vêm sendo renovados por sucessivos governos. Mas sem
rechaçar a tese do falso consenso, que sempre colocou as mudanças do país em
marcha lenta, não há mobilização na política.
Os ambientalistas devem perder porque não foram souberam
mobilizar uma coalizão capaz de reunir num mesmo discurso os barulhentos estudantes
das galerias e os muitos brasis de Xapuri. E tão equivocado quanto apostar no
código como filho do consenso é acreditar que o veto virá pelo twitter.